Muito se escreve sobre política, muito mais na Europa e nos Estados Unidos do que no Brasil. Há livros como Rules for Radicals, de Saul Alinsky, The Art of Political War e Take no Prisoners, de David Horowitz, The Real Right Returns,
de Daniel Friberg e vários outros. Se buscarmos combinar análises,
podemos adaptar parte do material da dinâmica social, da psicologia
social e da psicologia evolutiva para complementar os métodos a serem
obtidos e insights a serem absorvidos. Há muito conteúdo por aí.
Mas há uma “trava” para muitos
brasileiros. Por mais que expliquemos os métodos, boa parte dos
brasileiros não consegue assimilá-los. Isto acontece por uma cultura de
negação da política, muito provavelmente criada no Brasil após o regime
militar. Com isto, quando alguém começa a falar de métodos não demora
para alguém interromper dizendo que “é impossível que façamos isso”, que
“a culpa é dos políticos que não nos representam” ou que “está tudo
dominado”.
Tecnicamente, em termos de dinâmica
social, estes discursos representam “interrupções”. Imagine, por
exemplo, que você vai começar uma sessão de treino para o próximo jogo
do campeonato de futebol. Mas quando todos entram no gramado para
treinar, alguém diz: “Qual a razão para estarmos aqui jogando futebol?”.
E a partir daí, se interrompe o treino, por meia hora, para a pessoa
discutir uma razão filosófica para o futebol. Em termos de resultado,
isto é um desastre, além de completa negação da realidade. E nem sequer
era o momento adequado para fazer aquilo. Mesmo assim, o treinamento foi
interrompido por meia hora. Todas as ações de negação da política
servem, então, como “interrupções” de ações efetivamente políticas.
Os padrões estão aqui não para demonizar
seus praticantes, mas para compreendê-los e criarmos antídotos de modo
que essas pessoas não interrompam as ações efetivamente políticas.
Também é bom dizer que todos nós manifestamos um ou outro desses padrões
vez por outra. O complicado é quando eles se transformam em uma mania e
são manifestados em momentos inconvenientes em grande volume. Aqui
estão, portanto, os 11 padrões de negação da política
(1) Propor algo irrealizável ou praticamente impossível
Imagine que você está em uma comunidade
de Facebook discutindo como pressionar os deputados para aprovar um
projeto de lei. E então alguém interrompe dizendo: “Ei, desistam disso
tudo, o melhor mesmo é um sistema monárquico”. Mas como essa proposta é
irrealizável (ao menos nos dias atuais) e não há nem sequer um contexto
cultural adequado para professá-la, qual a razão para aventá-la em um
momento de discussão de opções táticas viáveis e mais urgentes? Eu não
quero dizer que um monarquista está fazendo a interrupção de caso
pensado, mas este é claramente um exemplo de negação da política.
(2) Negar ou igualar as opções disponíveis
Você organiza seus amigos para pressionar
os deputados do PSDB para que eles endureçam nas críticas ao PT e
entrem com ações contra os bolivarianos. E, de uma hora para outra,
alguém aparece dizendo “ei, desistam disso, é a estratégia das tesouras”
ou “eles já fecharam tudo no Pacto de Princeton e não adianta
pressionar”. Em outro momento, dizem “desistam de todos eles, pois a
solução é Bolsonaro 2018”. Nada contra alguém ter preferência por votar
em Bolsonaro (eu prefiro votar nele do que em um petista), mas se
estamos discutindo demandas políticas envolvendo todos os parlamentares
atuais, que sentido há em inserir esse tipo de comando verbal para falar
de uma eleição que só vai acontecer em 2018? No mínimo é esquisito.
Por que não falar da “opção Bolsonaro” enquanto discutimos a eleição de
2018 (o que só vai acontecer daqui a dois anos) e focarmos nas opções
que temos para as demandas atuais? Quanto à tese do conchavo, faltam
evidências. Parece mais desculpinha para negar ou igualar as opções
disponíveis para as demandas atuais.
(3) Pensar em soluções fora da política
É muito frequente vermos com que
naturalidade esta opção é adotada. É como em um torneio de sedução,
alguém trazer, como opção: “não conquistei ninguém, então vou estuprar”.
Ou no campeonato de futebol: “estou em último lugar, o negócio é
comprar o juiz”. A mente orientada ao tapetão pode encontrar
racionalizações para quebrar as regras. É um pulo para justificar o
abandono do jogo. O pedido por intervenção militar é este padrão
clássico executado à risca. Recentemente, surgiu o pedido por “revolução
civil”, mas que no fim das contas depende do exército chegar e arrumar a
bagunça. Discursos assim representam o lançamento de opções “além da
política”. Exatamente por isso são destrutivos em termos de motivação
para as ações efetivamente políticas. Não surpreende que os adeptos
deste padrão xingaram tanto os movimentos de rua, mas, depois de
renegá-los oficialmente, não conseguiram levar ninguém às ruas.
Elementar.
(4) Apelar ao purismo
Este fenômeno acontece tanto com
conservadores, liberais e libertários. Envolve um comportamento turrão
no momento de discutir as opções disponíveis, pois elas não se adequam
puramente ao que você acredita. Ora, por que um libertário
anarcocapitalista deve votar se ele não acredita no estado? Esse é um
exemplo de purismo vindo de um libertário. O purismo, em todos os casos,
é uma racionalização pela qual várias opções razoavelmente
interessantes – especialmente em comparação com as opções propostas pelo
seu maior inimigo – são descartadas por não serem exatamente o que você
quer. Mas a política é a arte do possível em relação ao que temos.
Infelizmente, o purista não pensa assim.
(5) Renegar as opções democráticas
Na política moderna, a democracia é o
palco onde os jogos realmente acontecem. É onde corações e mentes são
disputados por formadores de opinião de cada um dos lados. Mas o negador
da política, como não gosta do jogo, diz então que o “problema é a
democracia em si”. Alguns autores de direita já chegaram ao extremo de
escrever teses validando esta negação, como Hans-Hermann Hoppe fez em Democracia: o Deus que Falhou.
Mas a conversa é a mesma de sempre: colocar na democracia a culpa dos
direitistas que se recusam a jogar o jogo. Argumentam que a “democracia
permitiu a implementação de lei (a)” ou “aumento do poder do estado com
(b)”. Mas isso, na verdade, não é culpa da democracia, mas de opositores
que se recusaram a jogar o jogo. E quanto mais renegam a democracia,
mais perderão. E enquanto isso vemos a esquerda querendo a censura e
definindo isso como “democratização de meios de comunicação”. Diante
disso, dá até dó de ver direitistas dizendo que “a democracia não
funcionou”…
(6) Ignorar ganhos rápidos
Eu não sei se Olavo de Carvalho disse que
sua proposta de criar uma “elite da alta cultura” é um projeto que se
conclui só em 20 ou 30 anos. Mas já vi alguns de seus leitores dizendo:
“olha, desistam das opções que temos, pois é preciso primeiro criar uma
nova elite cultural”. Mas será que não podemos fazer nada até lá?
Decerto podemos, mas este tipo de discurso – e deixo claro que não sei
se Olavo o formatou desse jeito, podendo ser ação apenas de alguns de
seus leitores – é usado para interrupção de ações atuais. Novamente
retornamos à campanha virtual de Jair Bolsonaro para 2018. É uma
campanha de verdade? Tomara que seja. Mas há suspeitas de que falar de
uma candidatura em 2018 em pleno 2016 – enquanto temos tantas outras
demandas importantes mais prioritárias, entre elas o impeachment – pode
estar sendo uma forma de nublar a mente de muita gente em relação a
ganhos rápidos. É bom ficar de olho, apenas, e isso não significa
duvidar do candidato. Geralmente com este padrão alguém diz “deixe a
opção corrente (a) de lado, pois o importante é cuidar de (b)”.
Obviamente (b) jamais é uma demanda para ser materializada em curto
espaço de tempo. Sempre é algo lançado para acontecer daqui 2, 5, 10 ou
até 30 anos, tempo suficiente para algumas pessoas trocarem por outra
demanda e até esquecerem de quem a lançou originalmente. Como disse, é
para ficarem de olho…
(7) Negar ou transferir responsabilidade
Qualquer pessoa que acesse a Internet e
conhece as regras do jogo já pode pressionar candidatos e até formadores
de opinião para jogarem sob os princípios da guerra política. Podemos
exigir menos frouxidão de opositores da tirania, bem como exigir que os
principais formadores de opinião lidos por nós usem os rótulos mais
assertivos possíveis contra oponentes. Podemos também usar termos
adequados e lançar shaming e ridicularização em adversários em qualquer
interação virtual. Porém, de repente alguém diz: “de que adianta tudo
isso se não temos partidos que nos representem?”. Esta é uma forma de
transferir a responsabilidade para uma outra parte. Enquanto agentes
políticos sempre temos algo a fazer. O jogo efetivamente é decidido
pelos formadores de opinião, mas, em linha com aqueles que concordamos e
que lutam por nossas demandas, sempre temos algo a fazer. Quanto mais
pessoas assumirem a responsabilidade – especialmente nos blocos de
formadores de opinião, profissionais ou amadores, e nos últimos está o
segredo para a vitória – mais resultados teremos, assim como mais
parlamentares e políticos em geral pressionados surgirão.
(8) Ampliar o poder do oponente
O ser humano trabalha por motivação e
recompensa. Sem a motivação, não buscamos a recompensa. Mas se esta
parece muito distante, então temos pouca motivação. É por isso que
buscar pequenas conquistas – que levam às conquistar maiores – é
positivo, pois isso mantém a motivação dos envolvidos. Mas uma forma de
negar a política é dizer que seu inimigo é tão poderoso, mas tão
poderoso que não pode ser vencido pelas vias políticas. Obviamente este
padrão tende a justificar o desânimo absoluto, com a catarse prometida
vindo a partir de soluções fora da política. Este tipo de comportamento
sofreu um balde de água fria com a vitória de Maurício Macri na
Argentina e, dias depois, com a vitória da oposição de Nicolas Maduro na
Venezuela. Ainda assim, eles sempre retornam com novas racionalizações
para dizer que nosso inimigo é onipresente e indestrutível… pelas vias
politicas, é claro. Saul Alinsky disse: “Poder não é o que você tem, mas
o que o seu inimigo pensa que você tem”. Com este padrão, o direitista
cria uma versão inversa (e imperdoável) do lema alinskiano.
(9) Evitar clareza em demandas
Em muitos casos as demandas resultantes
da negação são moralmente bizarras, dignas de vergonha alheia e, no
mundo atual, praticamente indizíveis. Quais as alternativas à política?
Guerra civil? Sair matando os opositores? Proibir os partidos inimigos?
Exilar adversários? E em relação à guerra cultural, a alternativa é
qual? Acabar com a laicidade do estado? Em muitos casos, o negador da
política critica a situação atual, detalha até mesmo seus inimigos mas,
sabendo que muitas de suas demandas receberiam o selo “vergonha alheia”,
não propõem nada no lugar. Recentemente, participei de um debate neste
blog onde uma pessoa me definia como “culpado” pela situação atual.
Motivo: eu seria um “crente na democracia”. Questionei então: “qual a
alternativa?”. Ele me respondeu que não tinha uma. Ora, mas se não tinha
alternativa, como atacava as alternativas disponíveis? Mas lá pelas
tantas ele deixou escapar que optaria por uma ditadura a la Pinochet,
pois não teria os mesmos problema de “uma democracia”. Aí as coisas
ficavam mais claras: ele tinha uma demanda, mas não queria ser claro por
questões de vergonha até em proferi-la. Muitas vezes encontramos este
padrão. Em termos de interrupção, isso é particularmente incômodo, pois
falamos em demandas factíveis, que podem ser expressadas e virarem
projetos políticos, mas eles as criticam, em nome de demandas que muitas
vezes nem mesmo tem coragem de expressar. Vergonhoso.
(10) Endeusar a própria incompetência política
A partir do momento em que descobrimos um
certo grau de inaptidão política, o ideal seria lutar para reverter a
situação, nos desenvolvendo cada dia mais, adquirindo habilidade para
rotular, dominar a prática do shaming, criar um pensamento orientado a
frames e daí por diante. Mas para isso seria preciso aceitar a política
em sua plenitude. Mas como fazer isso se algumas pessoas até criaram
racionalizações para tornar a incompetência política uma espécie de
“mérito”? Para isso, podem fazer confusões entre métodos e conteúdo,
para dizer que jogar a guerra política é imoral.
Alguns até se orgulham de serem “mais morais” por não jogarem o jogo.
Mas na verdade imoral é não jogá-lo a partir do momento em que se
adquire a ciência de como funciona a política. Outros dizem que “o
conservador possui uma mente diferente, que não quer ver a política como
um jogo”, mas a verdade é completamente diferente. Conservadores
costumam ser pessoas funcionais – ou seja, que operam normalmente, sendo
capazes de viver em sociedade – em todos os aspectos da vida. Podem
arrumar um emprego, ter relacionamentos e daí por diante. Em todas essas
questões, existe um aspecto da política cotidiana que eles sabem jogar,
e caso não soubessem fracassariam em seus empregos e relacionamentos em
maior quantidade do que os esquerdistas. Isso não acontece, pois eles
conseguem jogar o jogo da vida. Porém, em virtude de racionalizações
para negação da política – inserida em sua mente por formadores de
opinião que nela não acreditam -, criaram uma incompetência
especificamente no domínio do debate público. O terror acontece quando
até mesmo criam racionalizações para achar que esta incompetência, que
deveria ser imperdoável, é uma espécie de mérito.
(11) Demonizar a habilidade dos oponentes
Li em um texto de Alexandre Borges sobre o
quanto alguns direitistas usam a seguinte expressão: “a esquerda tem o
monopólio da virtude”. Aí ele lembra: é claro, pois ela lutou por isso.
Quer dizer, a esquerda assumiu a responsabilidade de conseguir o
monopólio da virtude, e, com os tempos, demonstrou habilidade em
conquistar vários espaços mentais, inclusive vários rótulos ótimos para
eles (e péssimos para seus oponentes). Isto, em vez de envergonhar os
negacionistas – que deveriam pensar “ei, então é hora de eu me mexer” –
acaba gerando uma espécie de questionamento moral ao oponente. É como se
seu time entrasse em campo, não quisesse aprender as regras do jogo, as
ignorasse e com 10 minutos já estivesse tomando 5 a 0. Mas aí, ao invés
de questionar sua inabilidade, você demonizaria a habilidade deles:
“que sacanagem a deles de fazer tantos gols, não?”. Eu me lembro de um
amigo que costumava expor algumas ações taticamente espertas da
extrema-esquerda, dizendo: “olha só o que eles fizeram”. Fazia isso com
uma espécie de indignação. E eu respondia: “mas eles tem que fazer isso
mesmo, estão certos; resta a nós fazermos a nossa parte”. Nada impediria
que ele usasse até o shaming contra o oponente, mas é lastimável um
comportamento de “trava” para a ação. Outra ilustração está no filme
Falcão Negro em Perigo, onde um soldado diz: “Eles estão atirando na
gente”. O capitão retorna: “Ora, atire de volta”. Seja lá como for, com
este padrão, o negacionista não apenas promove a própria incompetência
política (como visto no padrão anterior), como demoniza a competência
adversária. O bloqueio mental criado com isso é terrível para qualquer
forma de desenvolvimento.
Em resumo, esses são os 11 padrões de
negação da política, que tenho mapeado em todo esse tempo de blog, e
especialmente a partir do início da campanha eleitoral de 2014.
Obviamente, os padrões existem há muito tempo, e fazem parte das chagas
que adquirimos por termos uma limitação de nossa conscientização
política – especialmente desde os tempos do regime militar. Em nações da
Europa e da América do Norte, a direita geralmente perde da esquerda no
jogo (por sorte tem havido alguma evolução nos últimos tempos), mas
ainda o joga. No Brasil, a coisa é pior: muitos ainda negam a própria
política, executando vários dos padrões acima com uma normalidade
impressionante. Obviamente, já existem alguns sinais de evolução quanto à
consciência política, mas a negação prejudica terrivelmente o
desenvolvimento.
O objetivo aqui não é demonizar essas
pessoas, como já ressaltei anteriormente. É entender esses padrões e
saber como combatê-los e neutralizá-los enquanto fazemos ações
organizadas para a política. Em 13/3 teremos novas manifestações pelo
impeachment de Dilma e vários movimentos e pessoas estão em apoio. Mas
muitas pessoas aparecerão com padrões de negação nas comunidades focadas
nesta luta. É preciso reduzir seu efeito. O negacionismo da política é
inevitável e ocorre tanto na direita como na esquerda. Mas nesta última,
os negacionistas ficaram relegados a partidos e organizações obscuros.
Na direita, acabou se transformando em uma mania, ultrapassando qualquer
cota de controle. O negócio é nos precavermos e superarmos os padrões
de negação.
E aí, você acha que há algum padrão
adicional a ser mapeado? Acha que novos exemplos são necessários?
Argumentos e críticas construtivas são bem vindos, especialmente aqueles
querendo refutar os padrões ou exemplos aqui utilizados, ou mesmo para
justificar comportamentos. Objeções assim podem reforçar (ou não) este
tipo de mapeamento.
0 comentários: